5 de dezembro de 2007

Um minuto de silêncio

Decisão de demolir os estádios contraria toda a história contida neles
Após o episódio trágico no estádio da Fonte Nova, o governador da Bahia Jaques Wagner apressou-se em dizer que chegou a hora de demolir parte da história do futebol baiano. Para o político, aquilo é apenas um monte de cimento e ferro, que acabou ruindo por descaso dos próprios políticos. Mas para o torcedor tem um significado muito mais amplo. Lá o Bahia foi campeão brasileiro, o Vitória disputou a decisão do Brasileirão contra o Palmeiras, Bobô jogou... Mas o governador preferiu abrir mão da tradição em troca da modernidade, que se espalha em todos os setores do futebol.
Uma das tendências do futebol globalizado é a opção clara pela mediatização, em detrimento do espetáculo ao vivo – sacrificam-se tradições, calendários, horários, em nome das transmissões televisivas. Vende-se o jogo como espetáculo televisivo, procurando-se conquista audiências, em vez de espectadores. Ao ponto de vermos estádios novos cujas cadeiras multicolores também servem o propósito de fazer parecer as bancadas cheias, mesmo que o recinto esteja vazio – o espetáculo televisivo está acima de tudo”. (COELHO & TIESLER, 2006: 536)
A saída escolhida pelo dirigente baiano favorece os megaprojetos econômicos, que buscam transformar os estádios em algo bem diferente do que o torcedor está acostumado. O gramado vira um palco, as laterais viram outdoors, as gerais desaparecem, as faixas das torcidas perdem espaço, a lotação máxima é diminuída para números que não comportam a massa e o público passa a ser vigiado por câmeras e domesticado para ficar sentado em cadeiras numeradas. O escritor uruguaio Eduardo Galeano manifesta sua indignação: “Hoje em dia, o estádio é um gigantesco estúdio de televisão. Joga-se para a televisão, que oferece a partida em casa. E a televisão manda” (2002: 195). E por conta disso, cada vez mais o público nos estádios é elitizado.
No estádio modelado como um shopping center, o fim das gerais prenuncia a exclusão popular dos estádios: “Assistir futebol nos estádios deverá logo ser um programa somente para as classes média e alta, segundo Eduardo José Farah, presidente da Federação Paulista de Futebol (...). O povão, diz Farah, vai estar na telinha, assistindo pela TV. A tendência do futebol é preço alto. A classe média deverá ir aos estádios” (Folha de S. Paulo, 19/7/1995). “Modelados como um shopping center, os estádios projetados para a modernidade voltam-se para um outro público e para outra forma de vivenciar o futebol”. (FLORENZANO, 1998: 185-186)
Primeiramente, é necessário desconstruir o discurso da modernidade indagando: a quem serve uma arena multiuso? Serve ao torcedor que freqüenta atualmente os estádios? Ou é destinada a um público de alto poder aquisitivo e que não tem o costume de ir aos jogos por diversos fatores? Para a Copa América, a Venezuela construiu dois novos estádios e remodelou outros sete. Os novos estádios custaram mais, provando que nem sempre demolir é a solução mais econômica. O novíssimo estádio de Maturín era o que tinha a maior capacidade na competição: 52 mil pessoas e foi levantado por apenas R$ 125 milhões (Jaques Wagner fala em erguer um novo estádio em Salvador por R$ 350 milhões).
No Brasil, a Arena da Baixada, do Atlético-PR, segue o modelo dos estádios para um público elitizado: “A Arena tem capacidade para 32.000 espectadores sentados, tem 68 lojas de conveniência e 60 câmeras de vigilância interna. Há camarotes alugados por temporada para empresas ou pessoas físicas (...). Em determinados setores da arquibancada há cadeiras vendidas por temporada com direito à impressão do nome do torcedor no assento” (ALVITO, 2006: 472).
(...) Os estádios menores são uma tendência mundial, tanto que na Copa da Alemanha era comum ver Arenas para não mais de 50 mil torcedores. No jogo da seleção brasileira em São Paulo, os pouco mais de 70 mil ingressos esgotaram em poucas horas. Isso também ocorre nos jogos decisivos do Flamengo e foi o caso da fatídica partida do Bahia, na qual 60 mil torcedores conseguiram entrar, mas outras centenas ficaram para fora. Com o apito final, elas tentaram entrar, o que só aumentou a confusão.
O terreno do futebol (...) condensa e traduz uma das grandes tendências sociais da nossa contemporaneidade, designadamente em nível do projeto da modernidade – que abarca os últimos 200 anos –, dominado por fortes tensões entre o desenvolvimento do capitalismo liberal (procurando a imposição do princípio do mercado) e as resistências comunitárias e associativas (defendendo a posição do princípio da comunidade)”. (TIESLER & COELHO, 2006: 321)
Essas “leis” da modernidade também criam regras de conduta. O torcedor não pode mais ficar de pé no estádio, faixas com dizeres políticos são proibidas, bebidas alcoólicas não entram em alguns estádios, bem como bandeiras e batuques (principalmente em São Paulo). Estão tentando padronizar o torcer: “(...) cada vez mais nos aproximamos do estádio-prisão, com o torcedor-consumidor sendo vigiado, monitorado e controlado em seus movimentos. É a criminalização do ato de torcer” (ALVITO, 2006: 471).
O que o governador da Bahia fez foi simplesmente trabalhar a favor do capital e com interesses políticos, já que não quer perder a boquinha de garantir Salvador como uma das sedes para a Copa do Mundo de 2014. E aproveitou-se de uma tragédia para fazer algo que muitos empreiteiros e políticos já queriam. Também já falaram em demolir o Maracanã, mas a pressão foi tamanha que nunca mais voltaram a comentar o assunto. Agora, virou moda apagar o passado. E com um caminhão de dinheiro, isso nem pesa na consciência. O programado abraço dos torcedores no estádio talvez fique como última imagem desse templo sagrado. E com a implosão, um pedacinho de cada um irá pelos ares. O minuto de silêncio não será somente para as pobres vítimas...

Fonte: Paulo Miranda Favero
Cidade do Futebol

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