14 de março de 2007

Futebol e Poder

O futebol sempre foi marcado pelo contraste entre a origem operária dos jogadores e a origem elitista dos dirigentes. Organizado na Inglaterra, no final do século XIX, o futebol foi se espalhando pelo mundo, acompanhando o imperialismo comercial inglês. Era praticado pelos marinheiros e, a cada porto, surgiam novos admiradores do esporte, que foram formando clubes e ligas em comunidades de europeus. Passada esta fase, segundo o escritor uruguaio Eduardo Galeano em seu livro “Futebol ao Sol e à Sombra”, “quando o futebol deixou de ser coisa de ingleses e de ricos, (...) nasceram os primeiros clubes populares, organizados nas oficinas das estradas de ferro e nos estaleiros dos portos”.

Por conta de sua popularização, o futebol volta e meia é utilizado por governos como instrumento de alienação ou de propaganda.
Na Copa de 34, os jogadores italianos eram obrigados a perfilar e fazer a saudação fascista em homenagem ao Duce (Mussolini), que assistia a todos os jogos na tribuna de honra. Além disso, o ditador mandava cartões ameaçadores aos atletas da Azzurra: “Vencer ou morrer!”. Na Copa de 38, a imprensa italiana, após a vitória sobre o Brasil, comemorou “o triunfo da inteligência itálica contra a força bruta dos negros”. Em 1978, foi a vez da sanguinária ditadura argentina esconder a repressão contra os opositores do regime. A declaração do presidente da Fifa, o brasileiro João Havelange, de que “finalmente o mundo pôde ver a verdadeira imagem da Argentina” e de que “estava tudo em ordem” foi utilizada como um atestado de bom comportamento pelos ditadores.

No Brasil, por ser o “país do futebol”, o aproveitamento ideológico do esporte é feito descaradamente por quase todos os governos. Já na Copa de 1938, o ditador Getúlio Vargas declarava: “Tomai como exemplo a Itália, rejuvenescida pelo fascismo”, revelando suas aspirações políticas. Os maiores exemplos deste aproveitamento populista foram dados pela ditadura em 1970, com hinos patrióticos e a “intromissão” do ditador Médici na escalação, o que custou o cargo de técnico ao comunista João Saldanha, por responder: “O presidente escala os ministros dele que eu escalo o time”. Em 1990, Fernando Collor de Mello chegou ao cúmulo de disputar uma partida com os jogadores da seleção, marcando até um gol em um pênalti roubado. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso também tirou uma casquinha dos tetracampeões, e ficou sem graça com a cambalhota de Vampeta na rampa do palácio.

Contudo, os exemplos mais escandalosos têm sido os de Lula, como quando enviou a seleção brasileira ao Haiti, para encobrir o seu papel de capacho regional de Bush. Foi vergonhosa a cena de milhares de famintos haitianos tentando saudar os míticos jogadores brasileiros, mas impedidos por blindados e centenas de soldados armados com fuzis.

13 de março de 2007

Futebol e Resistência

"Libertad por el Futbol" - Mural zapatista em Chiapas, México.

A luta da classe trabalhadora sempre ecoou nos campos de futebol, inclusive com grandes demonstrações de solidariedade classista e internacionalista. Durante a Guerra Civil Espanhola, os jogadores do Euskady, time do País Basco, e do Barcelona, da Catalunha, viajaram pela Europa e pelas Américas para arrecadar fundos para a causa republicana. Depois da vitória do ditador Franco, foram todos declarados rebeldes pela Fifa! Numa Ucrânia ocupada pelas botas nazistas, os jogadores do Dínamo, de Kiev, um dos principais times europeus, foram intimados a jogar contra uma equipe alemã. Foram avisados: ‘se ganharem, morrerão!’. Talvez, sentindo-se na final de uma copa que não houve, resolveram ganhar. Os 11 jogadores foram fuzilados após a histórica partida.

O futebol conseguiu também encampar as aspirações das massas populares em diversos outros momentos como quando, em 1974, a seleção da URSS se recusou a jogar a repescagem das eliminatórias com o Chile, por ela estar marcada para o Estádio Nacional, onde milhares de chilenos foram presos e torturados na ditadura de Pinochet. Em 1978, jogadores se recusaram a participar do mundial na Argentina, por causa da ditadura. Cruyff, da Holanda, e Breittner, da Alemanha, não foram. E, após a final, os holandeses, vice-campeões, recusaram-se a ficar em campo e apertar a mão dos militares.

No Brasil, foi muito importante a participação, por exemplo, de Sócrates, Casagrande e Wladimir, jogadores da Democracia Corintiana, no movimento Diretas Já. Quando foi jogar na Europa, Sócrates teve de escutar a seguinte frase de um cartola de lá: “Não quero jogador que pense”. Outro exemplo importante, e que serve para afastar todo e qualquer chauvinismo, vem da Argentina. Em dezembro de 2001, diversos jogadores do Boca Juniors e de outras equipes participaram dos protestos e confrontos no centro de Buenos Aires, que derrubaram três presidentes. A politização dos atletas naquele país não é nova. O time Argentinos Júniors (que revelaria Maradona) foi fundado com o nome Mártires de Chicago, em homenagem aos operários anarquistas enforcados no 1º de maio.

Além dos jogadores, o exemplo mais belo de resistência sempre vem das arquibancadas, com as músicas das torcidas e as faixas politizadas lembrando que o futebol sempre foi muito mais que um esporte.

1 de março de 2007

Futebol, política, classe operária e revolução

Em 18 de novembro de 2006 morreu uma das maiores lendas do futebol mundial, Ferenc Puskas (foto á direita), líder da seleção húngara que disputou a Copa do Mundo de 54, uma das mais bem sucedidas equipes de futebol que o mundo já viu.
Existe no Brasil uma lenda ignóbil de que o futebol é um instrumento de alienação do povo. Mais ignóbil porque a lenda é vinculada equivocadamente ao pensamento da esquerda. Ela é, obviamente, oriunda de um certo pensamento de esquerda, não da esquerda em geral. Ela faz parte deste repertório reacionário de uma esquerda que, servindo de cobertura para o pensamento cultivado pela direita, abomina tudo o que possa ser visto como cultura e como progresso, exceto a sua própria cultura sectária. Isso quando não são inimigos diretos da própria idéia de progresso. São eles os inimigos da máquina, dos meios de comunicação de massa, da cultura de massas, da interferência da indústria na cultura e muitas outras coisas. Tudo isso é confundido com o capitalismo. O capitalismo tornou-se, aos seus olhos, a alma do progresso da humanidade porque domina e, por isso, destrói, subverte, perverte e cria obstáculos extraordinários ao progresso humano.
O futebol é, e isso particularmente no Brasil, um elemento fundamental da cultura popular. Mais que isso, nascido, como todos os esportes, como um divertimento da elite, tornou-se o esporte da classe operária por excelência. Hoje ainda se fala, no Brasil, de determinados clubes de futebol, como sendo da elite nacional, sendo um caso notório o fluminense criado há 100 anos atrás pela burguesia e pela oligarquia rural do estado do Rio de Janeiro. Isso é, obviamente, coisa do passado. Os clubes de futebol, todos eles, independentemente da sua origem são hoje fenômenos de massa, embora sejam todos, está claro, administrados da pior maneira possível pela burguesia.
A grandes potências do futebol são, também, as grandes potências da luta operária, tanto os europeus como os latino-americanos: Alemanha, Inglaterra, Itália, França, Espanha, Brasil, Argentina, Uruguai. O futebol foi adotado, alimentado e cresceu sob a sombra gigantesca da classe operária mundial. É o esporte das grandes emoções de massas, cujas torcidas de dezenas de milhares de pessoas em grandes estádios lembram as grandes manifestações sindicais e políticas da classe operária. É o esporte que combina a ação coletiva e o talento individual, a organização e a criatividade. É o perfil da classe operária.
Não é de estranhar a relação entre a política e a classe operária. Mussolini fez o impossível para que a Itália fosse bi-campeã mundial, consciente do enorme interesse da classe operária pelo futebol. Goebbels, o propagandista do nazismo, declarou certa vez que “melhor que ocupar um país é ganhar um jogo de futebol”. No Brasil, a Copa de 50 foi envolvida pela crise política das eleições no mesmo ano e acabou sendo perdida para o Brasil por isso.
Nada ilustra melhor esta relação do que a trajetória fulgurante da seleção húngara sob o comando do lendário Puskas.
A fermentação cultural é, ao mesmo tempo, a manifestação das profundas contradições sociais e uma preparação para a ação política aberta. Esta é a lição de toda a cultura humana. Isso contribui para esclarecer o significado lendário da seleção de Puskas.
O selecionado húngaro de 1954 é uma das milhares de manifestações culturais que fizeram parte da fermentação que precedeu a grande Revolução Húngara de 1956. Este fato demonstra que a revolução proletária não é apenas um ato político isolado da vida social e cultural, mas o momento culminante de uma grande onda de crescimento da consciência, da energia, da vivacidade e da criatividade geral da sociedade.
O talento do legendário herói do futebol húngaro é, nesse sentido, como tudo o mais na vida social, a manifestação na psicologia individual da energia criativa das massas, ou seja, da humanidade. A morte de Puskas ocorreu exatamente 50 anos depois da revolução proletária húngara que foi a primeira manifestação em grande escala da revolução proletária contra a burocracia stalinista.
Aqui fica a nossa homenagem ao grande artista do futebol.
Seleção Hungara de 1954

Autor: Rui Costa Pimenta