24 de junho de 2010

África do Sul: Copa do Mundo... dinheiro sujo!

Declaração de ZACF sobre o 2010 Copa do Mundo

A Copa do Mundo de 2010 deve ser exposta publicamente como a grande farsa que é. A Frente Anarquista Comunista Zabalaza (ZACF - Zabalaza Anarchist Communist Front), da África do Sul, condena veementemente o cinismo e a hipocrisia do governo sul-africano que apresenta este momento como uma oportunidade única "apenas uma vez na vida" para a melhoria da situação econômica e social das pessoas que vivem no país (assim como no resto do continente).

Isto é afirmado claramente - a tal ponto que se torna impressionante - visto que esta “oportunidade” tem sido e continua sendo a ganância desenfreada da elite dirigente sul-africana assim como a do capital, nacional ou internacional. Na verdade, a Copa do Mundo, se tiver algumas conseqüências é provável que estas sejam devastadoras - para os pobres da África do Sul e para a classe trabalhadora - já em pleno andamento.

Na preparação da Copa do Mundo, o governo gastou mais de 8,2 bilhões de rands (cerca de R$ 2 bilhões), por exemplo, mais de 1 bilhão para o desenvolvimento das infra-estruturas e 3 bilhões para reformas e construções de estádios que depois da Copa do Mundo jamais estarão lotados. Isto é um tapa na cara de todos aqueles que vivem num país marcado por uma pobreza extrema e com uma taxa de desemprego que gira em torno de 40%.

Nos últimos cinco anos, os trabalhadores pobres têm vindo a manifestar a sua indignação e decepção face à incapacidade do governo para corrigir as enormes desigualdades sociais, organizando, em todo o país, mais de 8 mil manifestações para exigir serviços básicos (água, eletricidade, saúde...) e habitações dignas.

Esta distribuição dos custos, pelo Estado, é mais uma prova dos equívocos do modelo neoliberal capitalista e das suas políticas econômicas de “racionamento”[1], que só serviram para aprofundar as desigualdades e a pobreza.

Apesar das afirmações anteriores, no sentido contrário, o governo acabou por reconhecer, recentemente que "nunca foi a sua intenção" que este projeto chamado Copa do Mundo fosse beneficiário em termos sociais[2].

A África do Sul precisa desesperadamente de infra-estruturas públicas em grande escala, especialmente na área dos transportes públicos que estão quase totalmente ausentes em algumas cidades, incluindo Johanesburgo. O Gautrain (uma espécie de trem bala), lançado em 8 de junho (na véspera da Copa do Mundo), é provavelmente a grande ironia disto: num país onde a grande maioria das pessoas depende, cotidianamente, para percursos de longa distância, de táxis e lotações, sem condições mínimas de segurança, o Gautrain oferece rapidez, transporte de luxo para turistas e para aqueles que viajam entre Johanesburgo e Pretória (distante apenas 54 km).

O mesmo panorama aparece em toda parte: o Airports Company South Africa (ACSA) gastou mais de 1,6 bilhões rans para a modernização dos aeroportos. Já a Agência Nacional de Estradas Sul-Africanas (SANRAL), privatizada, gastou mais de 2,3 bilhões de rans para uma nova rede de rodovias.

Tudo isso explicará a implementação de medidas de austeridade drásticas para recuperar os bilhões gastos nas infra-estruturas, a maioria dos quais são de interesse nulo para os africanos pobres, a esmagadora maioria do país.

Em toda a África do Sul os municípios estão envolvidos em “esquemas” de revitalização urbana, acompanhados pelos seus inseparáveis programas de gentrificação, com o governo tentado, apressadamente, esconder debaixo do tapete a crua realidade deste país.

Em Johanesburgo, mais de 15 mil sem-teto e crianças de rua foram apanhadas e “despejadas” em "abrigos"; em Cape Town, autoridades do município expulsaram milhares de pessoas das zonas pobres e das favelas no âmbito do projeto "World Cup Vanity" (tornar a cidade agradável para a Copa do Mundo). Em Cape Town tentou-se - em vão - expulsar de suas casas 10 mil moradores da favela Joe Slovo com o objetivo de esconder a população dos olhos dos turistas que viajam ao longo da rodovia N2.

Em outros lugares, populares foram despejados para dar lugar aos estádios, estacionamentos para turistas, ou estações[3]. No Soweto, as estradas foram embelezadas ao longo das rotas turísticas e da sede da FIFA, enquanto as escolas ao redor continuam com as janelas quebradas e as instalações em ruínas.

Apesar de muitos sul-africanos não terem caído neste "canto de sereia", outros são inundados e arrastados pela enxurrada de propaganda nacionalista que visa desviar a atenção do circo que é a Copa do Mundo.

Cada sexta-feira no país foi declarada “Dia do Futebol", onde a “nação” é incentivada (e os alunos forçados) a vestir camisas dos Bafana-Bafana (seleção nacional da África do Sul).

Os carros são enfeitados com bandeiras, as pessoas aprendem a "diski dance", que é constantentemente demonstrado em todos os restaurantes turísticos. Já é praxe comprar a mascote Zakumi. E quem se atrever a manifestar dúvidas sobre a Copa é maculado como antipatriota. O exemplo mais significativo disso tudo foi o apelo das autoridades aos grevistas do Sindicato dos Transportes (SATAWU), para que abandonassem as suas reivindicações pelo “interesse nacional"[4].

Num contexto em que quase um milhão de empregos desapareceram, só no ano passado, as declarações do governo, sobre a criação de mais de 400 mil postos de trabalho devido à Copa do Mundo, são descontextualizadas e ofensivas. Os empregos que foram criados, nesta euforia futebolística, são muitas vezes precários ou CDD (contratos com duração determinada), por trabalhadores que não são sindicalizados e recebem salários muito abaixo do salário mínimo.

Para além da repressão contra os sindicatos, os movimentos sociais têm sentido a mesma hostilidade do Estado, traduzida oficialmente pela proibição geral de todos os protestos durante a Copa do Mundo. Jane Duncan (do Instituto para a Liberdade de Expressão) refere-se, com abundância de provas, que essa política foi colocada em prática a partir do começo de março.

Um inquérito as cidades sede da Copa do Mundo, revelou que uma proibição geral de qualquer reunião está em curso. Assim, no município de Rustenberg, “as concentrações estão proibidas durante a Copa do Mundo”.

O município de Mbombela recebeu a informação, da polícia nacional, de que não seriam permitidos “encontros” durante a Copa. O conselho municipal da Cidade do Cabo informou que não continuaria a receber pedidos para organização de marchas, que “isso poderia ser um problema” durante a realização da Copa. Nos municípios de Nelson Mandela Bay e de Ethekwini, a polícia proibiu manifestações durante o período da Copa do Munde[5].

A Constituição da África do Sul, muitas vezes elogiada pelo seu caráter "progressista", está longe de ser a garantia de liberdade e de igualdade. Esta nova forma de repressão entra claramente em contradição com o direito constitucional à liberdade de expressão e de reunião.

No entanto, os movimentos sociais, em Johanesburgo, incluindo o Fórum Anti-Privatização e vários outros não desistiram, e obtiveram uma autorização para uma marcha e manifestação no dia da abertura da Copa, com a ajuda do Instituto para a Liberdade de Expressão. Porém, a marcha deverá ser confinada a três quilômetros do estádio, onde não atrairá a atenção da mídia.

Não foi apenas o Estado sul-africano que realizou uma repressão severa sobre os pobres e sobre qualquer atividade ou manifestação anti-Copa do Mundo, sob um disfarce que representa a África do Sul como um polvo que estende os seus tentáculos em convite a todos e a todas, para que afluam em rebanhos aos seus hotéis de luxo, os quartos de hóspedes e salões de coquetéis, mas também o império criminal legal a que Josepp Blatter e seus amigos chamam FIFA (admiravelmente nomeada THIEFA (clube dos ladrões em inglês) pelo Fórum Social em Durban).

Prevendo com a Copa 2010 um lucro de aproximadamente 1,5 bilhões de euros, a FIFA já arrecadou mais de 1 bilhão apenas com os direitos de transmissão televisiva. Os estádios e as zonas circudantes foram entregues à FIFA durante o período do torneio (como “casulos livres de impostos”, áreas controladas e vigiadas pela FIFA e isentas do imposto normal e outras leis estaduais sul-africanas), incluindo estradas e pontos de acesso. Dessas regiões serão excluídas as pessoas que vendem produtos não licenciados da FIFA. Assim, os que acreditaram que, durante a Copa do Mundo, iriam aumentar a sua renda de sobreviventes, serão deixados de fora no frio "racionamento" neoliberal.

Mais: a FIFA, como proprietária exclusiva da marca Copa do Mundo e dos seus produtos derivados, dispõe de uma equipe com centenas de advogados e funcionários que percorrem o país para rastrear qualquer venda não autorizada e para fazer marketing da sua própria marca. Os produtos ilegais são apreendidos e os vendedores são presos, apesar do fato da maioria na África do Sul e do continente comprarem os seus produtos no setor do comércio informal. Porque muito poucos sul-africanos têm 400 rand (40 euros) para pagar pelas camisas das seleções e outras “engenhocas” da Copa.

Os jornalistas também foram efetivamente amordaçados neste evento, na hora de se credenciarem, a FIFA incluia a aprovação formal de uma cláusula que impede as organizações de mídia de criticá-la, comprometendo claramente a liberdade de imprensa[6].

A ironia maior desta história toda é que o futebol era originalmente o esporte da classe trabalhadora. Ir assistir aos jogos nos estádios era uma atividade de baixo custo e de fácil acesso para as pessoas que escolhessem passar 90 minutos das suas vidas esquecendo o cotidiano sob a bota do patrão e do Estado.

Hoje, o futebol negócio e a Copa do Mundo trarão lucros exorbitantes para um pequeno grupo da elite mundial e nacional (com milhões de gastos desnecessários, especialmente em um momento de crise capitalista mundial), que cobram aos seus clientes-torcedores- espectadores milhares de rands, dólares, libras, euros, etc., para assistirem futebolistas caindo em excesso e mergulhando em campos super bem tratados e que discutem, através de agentes parasitários, se são ou não dignos de seus salários mirabolantes (Kaká recebe mais de 10 milhões de euros por ano no Real Madri).

O jogo em si, que em muitos aspectos, mantém a sua beleza estética, perdeu a sua alma trabalhadora e foi reduzido a uma série de produtos destinados a serem explorados e consumidos.

Bakunin disse que "as pessoas vão a igreja pelos mesmos motivos que vão a um bar: para hostilizar, para esquecer a sua miséria, para imaginar serem, por alguns minutos, também, livres e felizes”. Talvez possamos dizer o mesmo do futebol negócio, com estas bandeiras nacionalistas agitadas e a sua cegueira, com as estridentes vuvuzelas. Deste modo parece mais fácil de se esquecer do dia a dia, de tomar parte na luta contra a injustiça e a desigualdade.

Mas numerosos também são os que continuam o combate, e a classe trabalhadora, os pobres e as suas organizações não são assim tão maleáveis às ilusões quanto o governo gostaria de crer. Construiremos acampamentos temporários junto aos portões dos estádios onde tiver aglomerações, ações de greve geral - autorizadas ou não.

E apesar dos insultos, das zombarias e os rótulos de "antipatrióticos" e a supressão da liberdade de expressão, vamos fazer ouvir as nossas vozes para denunciar publicamente as desigualdades terríveis que caracterizam a nossa sociedade e os jogos mundiais que se disputam em detrimento da vida daqueles sobre os quais se construíram os impérios que, no fim das contas, serão destruídos.

Abaixo a Copa do Mundo!
Phansi [Abaixo] a repressão do Estado e do nacionalismo que nos divide!
Phambili [Viva] a luta do povo contra a exploração e os lucros!

Fonte:
Anarkismo.net

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