12 de julho de 2010

Futebol e política: Hitler e o propósito nazista

Após a conquista de duas Copas pela seleção italiana durante o regime fascista de Benito Mussolini e sua aliança com Hitler que já comandava a Alemanha, o mundo se viu diante de um dos períodos mais negros da história da humanidade. A Segunda Grande Guerra estava prestes a eclodir e não havia espaço para o futebol. Não do jeito que costumamos vê-lo.

Der Arienparagraph

Em 1933, o futebol alemão já tinha sido atingido pelo anti-semitismo nazista, e os judeus foram proibidos de atuar nos clubes alemães, conforme determinava o Arienparagraph – “Parágafo Alemão”. A Alemanha perdia assim, muitos talentos, como foi o caso de Gottfried Fuchs, estrela dos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912, que marcou 10 dos 16 gols na vitória sobre a Rússia. Fuchs conseguiu fugir para o Canadá e livrar-se de Hitler.

Amistoso contra a Inglaterra

O regime nazista também se utilizou do esporte como forma de aproximação internacional, e se durante a República de Weimar, o país conseguiu realizar cerca de 20 encontros por ano, o regime nazista foi além chegando a 78 participações internacionais só em 1935. Um desses encontros deu-se com a seleção inglesa em dezembro do mesmo ano, no White Hart Lane, campo do Tottenham Hotspur, clube ligado à comunidade judaica inglesa. Claro que a chegada da seleção alemã nazista não foi recebida amistosamente, especialmente porque a Alemanha já outorgara leis anti-semitas, conhecidas como Leis de Nuremberg, que definia a essência racial de um legítimo alemão, tornando-a como base jurídica para a segregação dos judeus. Torcedores do Tottenham protestaram contra a realização de uma partida contra os nazistas, considerada como “uma afronta não somente à raça judaica, mas a todos aqueles que amam a liberdade“. A seleção alemã perdeu o amistoso por 3 a 0, e o único incidente que resultou em prisão, rolou dentro do estádio com a detenção de Ernest Woolwy, que desobedeceu às regras e empunhou uma gigantesca bandeira com a suástica nas tribunas do White Hart Lane.

Asbjorn, Isaksen e a fúria de Hitler com o primeiro grande vexame nazista

Seguindo o modelo de Mussolini, Hitler utilizou as Olimpíadas de Berlim como palco de demonstração da “grandiosidade” do regime nazista. Berlim fora transformada em sua arquitetura e sofreu melhorias em suas ruas, estradas e aeroportos. O Estádio Olímpico foi reconstruído com citações helênicas e abriu espaços enormes para a evolução de massa das SS, SA e Juventude Hitlerista. A abertura dos Jogos foi programada para dar ao mundo inteiro, a exata dimensão do Reich dos Mil Anos. Depois de 8 anos fora do calendário olímpico, o futebol voltava e foi pelos pés de Magnar Isaksen, um norueguês judeu e de seu técnico, Asbojorn Halvorsen, também judeu de origem, que a Alemanha foi eliminada dos jogos para aumentar mais ainda o ódio do Füher, que se retirou do estádio minutos antes de terminar a partida. No início da Segunda Grande Guerra, quando as forças de Hitler começavam a impor uma nova ordem européia, adversários esportivos como Asbojorn foram chamados para prestar contas. Seu destino era o campo de concentração em Alsace, nas proximidades de Hamburgo e aquele que fora um dos maiores jogadores de sua época, se resumia a um ser humano que pesava 40 kilos, acometido de tifo, desinteria e desnutrição.

Meses antes da Copa de 1938, a Alemanha já sob o comando de Hitler, anexou a Áustria aos seus domínios. O país passou a ser considerado território alemão naquilo que ficou conhecido como Anschluß ou Anschluss, desiginação alemã para conexão ou anexação. Assim, a Alemanha se utilizou de jogadores austríacos para ajudar na formação de sua seleção no mundial. Só por aí, a história do regime nazista com o futebol, começa com uma emocionante e corajosa demonstração de rebeldia e aversão ao propósitos de Hitler.

Por Hitler, não!

No dia 10 de fevereiro de 1903, nascia na Morávia, aquele que seria o exemplo de resistência ao mais sanguinário regime da história da humanidade. Matthias Sindelar mudou-se para Viena com os pais quando tinha 2 anos. Seu nome de batismo era Matěj Šindelář e começou a jogar futebol nas ruas da cidade. Em 1918 iniciou sua carreira pelo Hertha Viena e por lá permaneceu até 1924, quando se tornou jogador da equipe principal do Wiener Amateur, clube que deu origem ao Áustria Viena. Disputou a Copa de 1934 pela Áustria e por sua elasticidade, ganhou o apelido de “Homem de Papel”. Ajudou a seleção austríaca a se classificar para a Copa de 1938, na Itália de Mussolini, mas se recusou a defender a Alemanha. Antes do mundial, Áustria e Alemanha se enfrentaram no jogo de despedida da seleção austríaca e fiou combinado que o resultado do jogo seria um empate. A seleção austríaca parece ter deixado a inferior seleção alemã acreditar no resultado, quando Sindelar marcou o primeiro gol e comemorou efusivamente em frente aos oficiais alemães que acompanhavam o jogo da tribuna. O jogo terminou 2 a 0 para a Áustria. Sindelar nunca serviu aos alemães nazistas e foi encontrado morto junto com sua namorada no início de 1939. Sua morte foi dada como acidental por asfixia através de monóxido de carbono, mas por sua morte repentina e pela falta de testemunhas, evidenciou-se que o Homem de Papel morrera pelas mãos dos nazistas, especialmente por ter sido revelado posteriormente que Sindelar estava sendo investigado pela Gestapo (Polícia Secreta do Estado) que o taxou de “pró-judeu” e “social-democrata”. O nazismo perdia ali, o primeiro embate onde tentava utilizar o futebol como instrumento de imposição e fortalecimento de regime.

F.C. Start e o Jogo da Morte

O regime nazista utilizou o futebol para encobrir as dificuldades pelas quais as forças alemãs começavam a passar nos campos de batalha. O noticiário esportivo tratou de preencher espaços para evitar que a divulgação de notícias sobre o desgaste da máquina de guerra chegasse aos ouvidos dos aliados. Como as competições internacionais ficaram suspensas por conta da guerra, era primordial que diversas partidas fossem realizadas nos territórios dominados pelos alemães para que sua “superioridade” fosse efetivamente provada. Passando por cima do que ficou conhecido como “Pacto de Não Agressão” firmado com Stálin, Hitler invadiu Kiev e foi aí que provou o gosto amargo da vergonha. Com a dissolução das equipes Dinamo de Kiev e Lokomotiv pelos nazistas, vários jogadores de origem judia, foram “contratados” por Iosif Kordik, dono de uma padaria que era fundamental para o abastecimento da cidade, incluindo ai, as tropas nazistas. Nos momentos de “folga”, jogar futebol era a diversão mais que natural para os atletas e ali se formou o F.C. Start, o time que preferiu a morte a saudar Hitler. A equipe que representava a seleção alemã se chamava Luftwaffe, e era composta por oficiais da Força Aérea. Em agosto de 1942, foi marcado um jogo entre o F.C. Start e o Luftwaffe que ficou marcado como o Jogo da Morte – Macth Smerti. Antes do iniciar a partida, o juíz adentrou o vestiário dos ucranianos exigindo que os nazistas fossem cumprimentados à sua moda, ou seja, braços estendidos e a evocação “Heil Hitler!”. Após a saída do árbittro, os jogadores se reuniram e decidiram não reverenciar o invasor e no momento da apresentação das equipes, os jogadores do F.C. Start bradaram a plenos pulmões “FitzcultHura!”, o que significava uma tradicional saudação esportiva na União Soviética. No jogo, superioridade ucraniana: 5 a 1 para o F.C. Start. Inconformados com a derrota, os jogadores do Luftwaffe pediram revanche e três dias mais tarde ela aconteceu com nova vitória dos ucranianos: 5 a 3. Dias mais tarde a “Padaria Número 3″ foi invadida pela Gestapo e os jogadores do F.C. Start presos, levados para campos de concentração e oito deles foram executados meses depois. Há até hoje em Kiev, um monumento erguido em homenagem aos corajosos jogadores do F.C. Start.

A campanha futebolística do Füher não foi de toda má, mas não foi pelo futebol que o regime nazista impôs sua vontade. Dentro de campo, muitos opositores respeitaram a condição do jogo: somos todos iguais.

Fonte: Futebol para meninas.

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