"Um dos mais importantes exemplos da democratização e popularização do esporte bretão no Brasil foi a fundação de um time vocacionado para a vitória, o FERROVIÁRIO ATLÉTICO CLUBE, cujo nascimento se deu pela ação de empregados da rede de Viação Cearense (RVC, depois Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima, RFFSA, atual Companhia Ferroviária do Nordeste, CFN).
Em 1930, a RVC instalou oficinas de manutenção de locomotivas, carros e vagões na então distante região do Urubu, precisamente onde hoje se encontra a sede da CFN, na Avenida Francisco Sá - tal logradouro corresponde à antiga Estrada do Urubu, no período importante via de comunicação com a então distante Barra do Ceará, onde havia um hidroporto no qual pousavam hidroaviões trazendo destacados [sic] visitantes da cidade. À época, Fortaleza restringia-se praticamente ao seu centro histórico. Naquela área, ao longo dos anos, concentrou-se toda uma população humilde, na maioria fugida das secas, fome e latifúndios do sertão. Não foi coincidência que, no intuito de servir-se da mão-de-obra barata representada por essa população carente, instalaram-se na zona oeste da capital várias indústrias. Em consequência, ocorreu o aparecimento na região de inúmeras favelas, modestas residências, bairros operários, em geral menosprezados e esquecidos pelos poderes públicos.
Com uma grande quantidade de tarefas e serviços para executar, em 1933 a direção da RVC determinou a realização de horas extras noturnas (das 18 às 20h) nas citadas oficinas do Urubu, visando assim recuperar mais locomotivas, carros e vagões. Encerrando-se o expediente normal às 16h25min, decidiram os operários mais jovens, sobretudo aqueles que moravam longe, aproveitarem o "intervalo forçado" para divertirem-se, passarem o tempo, jogarem "foot-ball". Cotizaram o dinheiro para a compra da bola e armados de pás e enxadas. limparam um terreno vazio dentro das oficinas, tirando matos, arrancando tocos, nivelando-o. Para completar a construção do campo, confeccionaram traves a partir de tubos retirados de caldeiras de velhas locomotivas.
Daí em diante, no finalzinho da tarde, tornou-se sagrado o ´racha` entre os operários nas oficinas do Urubu. Para maior deleite, improvisaram até dois times, "Matapastos" e "Jurubeba", nomes de ervas, uma ´homenagem` irônica dos proletários aos matos que havia no terreno e que deram tanto trabalho na preparação do campo.
Com o sucesso das "peladas", veio a feliz idéia de organizar "algo maior". Em reunião na casa do mecânico José Roque (o ´Gordo`), os boleiros da RVC decidiram unir Matapastos e Jurubeba para formar um time de fato, capaz de jogar pela periferia nos finais de semana e até participar de campeonatos suburbanos. Dentro do óbvio, a equipe recebeu o nome de FERROVIÁRIO (...), por pouco não sendo chamado também de "ferrocarril", a exemplo de outros clubes sul-americanos oriundos de companhias férreas. Escolheu-se ainda um uniforme com listas verticais nas cores vermelho, preto e branco (...)
As "movimentações esportivas operárias" não passaram despercebidas a Valdemar Caracas, então influente chefe do escritório de manuntenção da RVC e igualmente apaixonado por futebol. (...) Valdemar Caracas (...) se dispôs a organizar melhor a equipe nas horas vagas que tivesse. Reuniu os "atletas-trabalhadores" e, juntos, "refundaram" ou fundaram formalmente o Clube (...), o qual recebeu o "nome completo" de FERROVIÁRIO FOOT-BALL CLUB, denominação alterada anos depois, por sugestão de Caracas, para FERROVIÁRIO ATLÉTICO CLUBE. (...) Nascia assim, naquele dia 9 de maio de 1933, entre humildes empregados da RVC, o Ferroviário, para ser um dos orgulhos do futebol e povo cearenses."
TIME DA ESQUERDA E DA LUTA DOS OPERÁRIOS
"Os anos 60 foram conturbados para o Brasil. Em 1964, um golpe civil-militar depôs o presidente João Goulart, iniciando tenebrosa ditadura a qual se estendeu até 1985. O Regime Militar não deixou de refletir-se no futebol, usado para angariar simpatias e apoios populares. Não foi coincidência que, dentro da lógica "Brasil potência", "país do futuro", "Brasil ame-o ou deixe-o", inaugurou-se pelo país afora vários estádios de futebol, como o Castelão em 1973.A repressão, entretanto, era forte contra aqueles que ousavam questionar a ditadura. Há, inclusive, um fato interessante: muitos dos comunistas e pessoas militantes de esquerda das décadas de 1950/60 tinham preferencialmente o FERROVIÁRIO como o time do coração. Um dos mais fortes redutos do PCB-CE (Partido Comunista Brasileiro, secção Ceará) no meio sindical cearense estava na RVC/RFSSA, destacando-se ali a liderança do sindicalista Francisco Pereira da Silva, preso quando do golpe em 1964. Os ferroviários chegaram em 1° de abril a entrar em greve e tentar mobilizar a população contra a quartelada em Fortaleza - locomotivas foram mesmo sabotadas e vagões descarrilados! Vários trabalhadores da RVC/RFFSA foram detidos, humilhados e demitidos."
Fonte: "FERROVIÁRIO: Nos Trilhos da Vitória", de Airton de Farias.
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